quarta-feira, setembro 26, 2007

O Clamor de Gaia



O jovem bardo Awmergin conta-nos sobre como, ao vadiar pela floresta Amazônica, encontrou-se com Gaia, o espírito maternal da Terra e de como a deusa roga a seu querido filho que transmita aos homens seu pranto e sua tristeza.

Divino Sol! Meu pai que habitas grandioso
Em alto firmamento, eu te rogo,
Dá-me, senhor, possante voz
Para que este canto choroso
Possa vosso filho entoar. .05
Dá-me, ó pai radiante, a graça
Preciosa dos idos vates
Para que este vosso filho
Entoe os rogos de sofrimento
De Mãe-Gaia de farto ventre. .10

De minha humilde e pequena choupana
Havia eu saído para ir ter
Momentos de deleite entre as árvores
Da floresta que a mim abrigam.
Caminhava solitário e a manhã radiava .15
Enquanto os pássaros irmãos tagarelavam
Entre si as novas da floresta.
Assim seguia meu caminho
Por entre as altaneiras e seculares árvores.
A vigorosa Samaumeira, velha e sábia, .20
Ofereceu-me seu espesso tronco
E sua vasta copa para um descanso
Recostado sobre o tronco daquela
Anciã da floresta, senti as carícias
De um sopro de Zéfiro .25
Provindo de longas distâncias.
Enquanto estava descansando
Sobre o tronco da velha da floresta,
Vieram os pássaros contar-me
As notícias que percorriam .30
Todo aquele mundo verde.
Naquela nascente manhã, todavia,
Meus alados e canoros irmãos
Não me traziam alegres notícias.
As Araras multicoloridas gritavam desesperadas: .35
“Irmão! Poeta da floresta, apressadas
E em desespero viemos à tua procura”.
O esmeraldino Papagaio interrompeu-as dizendo:
“Filho do Pai-Sol, corremos pelos ares,
Por entre as copas das árvores, .40
Para rogar-te auxílio”.
O Uirapuru colorido concluiu:
“Awmergin, meu irmão poeta,
Grandes são nossa dor e angústia.
Socorre-nos e a nossa Mãe! .50
Gaia está sofrendo e muito pranteia.
Suas lágrimas escorrem de tristeza
E dor. Vem conosco e acudamos
Nossa Mãe em seu sofrimento!” .55
Assim falaram meus irmãos alados.
Para segui-los pelos ares
E chegar ao nosso destino velozmente
Assumi a forma do falcão dourado.
Alados, atravessamos os amplos ares. .60
Sobre nós havia apenas um
Verde manto, atravessado por
Caudalosos rios, que ao infinito se dirigiam.
O Uirapuru falou estas palavras aladas:
“Desçamos aqui. Nossa Mãe te espera, Awmergin.” .70
Assim disse o pássaro cantor.
Para baixo conduzimos nossas asas
Até pousarmos numa clareira.
Novamente assumi a humana feição.
Além das muitas árvores .75
Que me cercavam e meus alados irmãos,
Pousados sobre altos galhos copados,
Eu nada podia ver naquela verde vastidão.
Sem por isso esperar, ouvi um choro
De mulher. Pranteava lágrimas dolorosas. .80
Eis o que me dizia aquela voz pranteante:
“Meu filho, querido poeta nascido
De meu ventre divino, aqui eu te chamei
Para que ouças meu choro
E o comuniques aos teus irmãos, .85
Os homens que sobre meu
Ferido ventre vivem.”
Assim ouvi o pranto.
Prostrado de pé em meio às árvores
Daquela clareira encontrava-me .90
Quando vi surgir do solo
Uma forma feminina deslumbrante:
Seu corpo divino tinha
A cor do solo fecundo;
Seus cabelos longos eram negros .95
Como a mais negra escuridão.
Seus seios eram fartos
Como os de u’a mãe nutridora.
Enroscadas em seu corpo sublime
Duas sucuris serpenteavam e dançavam, .100
Mansas e obedientes, como dóceis mascotes.
Embora seu corpo fosse feminino,
O que eu via à minha frente
Era a própria Gaia, Mãe dos seres
Que por vastas amplidões se espalham. .105
Ao ver a Mãe dos seres viventes
Surgir magicamente frente a mim,
Não tardei a pôr-me de joelhos
E com veneração dirigir-lhe estas palavras:
“Minha divina Mãe, veneranda Gaia, .110
Nutridora generosa, aqui estou.
Tu me chamaste – chorosa – e alado
Encaminhei-me até aqui para te acudir.
Sou teu filho amado e piedoso.
Fala-me, divina Mãe: o que te aflige? .115
Por que choras copiosas lágrimas?”
Aquela deusa em femininas feições
Derramava lágrimas em uma torrente.
As sucuris desceram de seu
Formoso corpo e começaram .120
A serpentear ao seu entorno
Como que em veneração.
Do ventre da deusa brotavam
Filetes de rubro sangue e muitas
Gotas caíam sobre o solo .125
Repleto de folhas secas.
Superando seu pranto, a deusa
A mim dirigiu estas palavras
De sofrimento: “Awmergin, meu amado
Filho, cantor sublime, eu roguei .130
Às aves da floresta, minhas filhas
E tuas irmãs, porque necessito
Não de teu consolo, mas sim de tua voz
E de teu canto. Como podes ver, filho
Amado, de meus olhos escorrem salgadas .135
Lágrimas de tristeza e de meu divino
Ventre brota o sangue rubro, o alento vital.
Talvez estejas a te questionar:
‘Por que sofres, minha Mãe?’
Sofro porque teus irmãos humanos .140
Têm sido ingratos filhos.
Sofro porque violências sem-conta
Tenho sofrido por causa do cego
Egoísmo e da destruidora ganância
Que teus irmãos alimentam .145
Em seus fechados corações.
Eu sou a Mãe de todos os viventes.
Deram-me muitos nomes, os homens,
Ao longo das eras passadas.
No Egito fui venerada como Ísis .150
E me honraram com sagrados
Cultos de mistérios. Revelei-lhes
Segredos acerca de minha própria
Essência, removendo o meu véu
Para que pudessem ver minha .155
Divina e resplandecente face.
Na Grécia, a bela marmórea,
Outorgaram-me o nome Gaia
De seios fartos. A esta divina
E bela civilização também ensinei .160
Mistérios. Fui à Elêusis e lá
Chamei-me Deméter. Fui venerada
No Telestérion e durante quinze
Séculos muitas almas iniciei
Nos mistérios da Vida e da Morte. .165
Falei-lhes acerca dos ciclos
Que regem a existência.
Desde que meu Pai
Deu-me origem, há éons no passado,
Gerei em meu corpo rotundo todos .170
Os seres que sobre meu próprio ventre
Vivem, bem como aqueles que
Voam pelos etéreos ares, reino
De Urano, velho titã, meu
Amante, filho e irmão. .175
Durante eras sem-conta, eu vos
Dou de mim mesma: entrego-lhes
Partes de meu próprio corpo para
Que vós, homens, possuais vossos
Próprios corpos. E, após gerar .180
Vossos corpos, alimento-vos gerando
Árvores, vegetais e frutos abundantes.
Vós também iniciastes o assassinato
De vossos irmãos mais jovens, os animais,
Para vos alimentar de seus .185
Pobres corpos mortos. Não vedes
Que cometeis terrível crime?
Tendes, igualmente, poluído minhas
Veias e artérias – os rios – com vossos
Resíduos, com vossas manipulações .190
Anti-naturais dos elementos que
Me compõem. Não vedes que
Estais a me envenenar?
Vós construístes veículos para vosso
Conforto e abandonastes os vigorosos .195
Cavalos. Para manter vossos veículos
Tivestes que descobrir-lhes um combustível
E o encontrastes em minhas entranhas.
Agora, perfurais meu ventre com
Pontiagudas brocas para extrair .200
De meu corpo meu sangue negro.
Não vedes que eu posso ficar desnutrida?
E sem forças como poderei vos alimentar?
Ah! Meu filho, como é grande a dor
Que me lacera. Teus irmãos violentam-me, .205
Exploram os meus recursos que lhes
Entrego generosamente. Mas, eu possuo
Um limite. Vós estais a exaurir
Meu corpo e as dádivas que vos
Ofereço para a manutenção .210
De vossa vida. Até quando isso continuará?
Até quando matareis, violareis e
Poluireis a mim, que sou
Vossa Mãe e ao mesmo tempo
Vossa casa cósmica?” .215
Assim disse Gaia, a Mãe de todos os seres.
Comovido com tamanho sofrimento
Da deusa, dirigi-lhe estas
Palavras piedosas: “Gaia, minha Mãe
Maior, senhora dos viventes, .220
Não é sem um profundo pesar
Que ouço tuas palavras de dor.
Que filho piedoso não sofreria
Ao ver suas mãe a chorar lágrimas
Cristalinas? Senhora, aqui eu .225
Vim por teu chamado. Levarei
O teu sofrimento aos meus irmãos
Inconscientes. Pois, muitos deles
Não sabem que agredindo a ti,
Eles agridem a si mesmos. .230
Eu retornarei ao mundo dos homens
E comunicarei a eles o quanto
Sofres em decorrência da violência
Que eles têm cometido contra ti.”
Assim falei estas palavras compassivas .235
A deusa-mãe abençoou-me
Dizendo estas últimas palavras:
“Vai, meu amado filho, e diz
Aos teus ingratos irmãos
Quão grande é meu o sofrimento.” .240
Sua forma divina começou
A perder os contornos e a evaporar-se
Por entre as árvores seculares
Da floresta. O Sol, meu divino pai,
Descia sua fogosa quadriga .245
No horizonte poente. Transformei-me
Em áureo falcão e retornei, alado,
À minha humilde choupana
Encravada no meio da mata.
Ao chegar a meu lar, sentei-me .250
Em minha cama de palha
E chorei de dor pelos sofrimentos
De minha divina Mãe.
Enxuguei as lágrimas e pus-me
A escrever o clamor de Gaia. .255

Ó Sol, Imperador do Céu! Iluminaste
Minha mente e minha memória.
Assim pude recordar o dia em que
Vi e ouvi Mãe Gaia chorar e sangrar
Naquela clareira em meio à floresta. .260


Awmergin, o Bardo
Em: 20/09/2007, logo após o crepúsculo.

4 comentários:

Kel disse...

Fome! Tem pão fresquinho pra mim aqui? rsrs
Luz.
Kel.
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Marcelo Novaes disse...

Olá, bardo.
Estou aqui divulgando o surgimento incipiente de meu blog:
http://olugarqueimporta.blogspot.com/

Abração,

Marcelo Novaes.

Anônimo disse...

Olá Bardo:

Não falar ou escrever em português, mas minhas raízes estão na Bahia, e enquanto eu estava lendo seu bela poema, meu sangue foi traduzido por meu. Seu espírito é quem fala, seu espírito que canta, seu espírito que exige, é seu espírito fala de conservação para as Amazonas, a conservação da natureza e nossa terra mãe.

Você não é a única milhões de espíritos estão ligados ao seu em nossos corações e mentes, me felicitá-lo, continua a trabalhar, continua a fazer sua parte nós também estamos fazendo nossa.

Omnis Sum Uno.

Ex Umbra In Solem

Oscar S. Meza
Upasika-OPI-USA
Coordenador EUA
osmeza@hotmail.com

Paulo Urban disse...

Linda Ode, belíssimo canto; é nosso bardo querido, poeta da alma e da natureza, da verdade e da beleza quem nos clama em nome de Gaia, nossa terra, nosso chão e nossa mãe.

(Paulo Urban)